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Primeira turma de Publicidade e Propaganda da Unipampa: uma turminha do barulho se metendo em altas


Minha mãe chegou em casa, me abraçou e disse: “filha, eu sinto muito. Você não passou no vestibular”. Respondi que estava tudo bem. Claro que eu havia ficado muito chateada, mas achava que seria difícil passar em uma prova na qual a tosse não me deixou em paz. Comi balas e balas de gengibre, fui diversas vezes ao banheiro e estava completamente constrangida por atrapalhar a prova dos outros. Pouco depois da minha mãe, uma amiga chegou correndo na minha casa, comemorando: “Nós passamos! Nós passamos!”. Eu não estava entendendo nada e chamei minha mãe. Ela disse: “filha, a mãe conferiu, tu não passou no vestibular pra jornalismo”. “Mas eu fiz vestibular pra publicidade mãe!”. E assim começou minha história com a Universidade Federal do Pampa, mais conhecida como Unipampa. O vestibular foi só o início do desafio de entrar na universidade, mas este assunto fica para uma outra hora.


Hoje penso que os primeiros professores que chegaram sabiam – ou suspeitavam – tanto quanto nós que a Unipampa era uma incerteza. Muitos boatos circularam antes do vestibular, muitos me disseram que era tolice fazer vestibular para uma universidade que ainda não existia. Contudo, o projeto saiu do papel e os vestibulandos em potencial comemoraram. Ainda bem que eu não dei ouvidos aos incrédulos. Acreditava na Unipampa; os professores também. Nós, como a primeira turma, éramos a “turma cobaia”, ensinados e formados com serenidade, exigência e excelência acadêmica. O pioneirismo tem o bônus da história, mas tem o ônus de todo início de projeto. Nossa turma sabia a necessidade de chegar mais cedo na aula para conseguir garantir um ventilador para a sala.


No início, nós não tínhamos prédio próprio, uma biblioteca amplamente equipada, estúdios, laboratórios, equipamentos, técnicos, infraestrutura, etc. Quando fomos para o campus próprio, as coisas começaram a melhorar, mas ainda havia alguns percalços. O local era relativamente afastado, ainda estava se preparando para receber a universidade. Teve um dia em que eu e mais alguns colegas literalmente “atacamos” no meio da rua uma van que vendia cachorro-quente e que estava voltando do centro, atrás de almoço. O dono da van se sensibilizou com a situação e nos levou até a sua casa para fazer mais cachorro-quente. Comemos felizes. Nós poderíamos ter sido atropelados, mas a fome exigiu medidas extremas. Visitando a Unipampa atualmente, fui tomada por orgulho em ver como a ela se transformou em tão pouco tempo. Fiquei impressionada com a infraestrutura atual da universidade. Que agora tem um RU.


O início foi desafiador. Tanto para nós alunos quanto para os professores. Ter que conseguir um ônibus para dar aula em outra cidade para uma turma que não tinha equipamento foi um desafio que poucos enfrentaram. Se faltou recursos técnicos, os recursos humanos foram os melhores que poderíamos ter. Cada professor, à sua maneira, deu um jeito de fazer as coisas funcionarem. Alguns moveram mundos e fundos para simplesmente conseguir dar aula. Tornaram-se nossos amigos, nossas referências, nosso apoio e impulso. Foi uma professora que segurou minha mão no hospital, quando eu passei mal durante uma aula. Foi um professor que disse que tudo ficaria bem depois que o bagageiro do nosso ônibus abriu e a minha mala pulou para fora e sumiu no além. Foi um professor quem me disse que eu escrevia bem e que o mestrado poderia ser uma boa ideia. Eles estavam sempre ali, ao nosso lado.


Aos poucos nós fomos aprendendo o que era publicidade, propaganda, comunicação, mídia, mix de marketing, 4 p’s, teoria crítica, spot, jingle, Conar, resenha, resumo, artigo, ABNT, citação direta, citação indireta, apud, etc. Parecia que eu nunca daria conta de ler tanto xerox. Mas, mais do que ler e aprender teorias, os professores queriam que desenvolvêssemos nosso pensamento crítico. Que observássemos o cenário sob a ótica de um comunicólogo que procura tirar o véu que encobre a familiaridade dos fenômenos. Nós fomos aprendendo que nenhum discurso é inocente, fomos desenvolvendo nossa capacidade de observar um cartaz e saber o que está escrito para além das linhas, nas entrelinhas. Os professores nos mostraram que era preciso desenvolver tais competências para, a partir disso, produzir.

Ainda lembro da primeira vez que tivemos que escrever uma resenha. Estava todo mundo em pânico, já que rolaria um sorteio e algumas resenhas seriam lidas para a turma (foi assim que eu aprendi que sorteio é um excelente recurso didático). Lembro que na época eu pensava: “mas quem sou eu pra dizer que o autor está errado?”. Essa percepção foi sendo alterada com a ajuda dos professores e depois de muitas resenhas escritas. Logo começaram os trabalhos em grupo. Era incrível ver como nós nos amávamos, nos odiávamos e seguíamos juntos, produzindo. Esses trabalhos não nos ensinaram apenas o lado teórico e empírico da comunicação. Nos desenvolveram empatia, simpatia, generosidade, solidariedade, amizade. Alguns em maiores proporções, outras em menor, mas todo mundo foi, de alguma forma, afetado.


Com o início da disciplina da agência nós sentíamos que estávamos “nos tornando adultos”. As responsabilidades e as exigências aumentaram. Nós precisávamos mostrar que havíamos desenvolvido nosso espírito crítico e, a partir disso, conseguíamos criar. Entre uma campanha e outra foram vários insights, várias sacadas. Desenvolvemos tanta coisa. Mergulhamos da história da mitologia para defender uma marca, apresentamos uma campanha com a cara cheia de tinta, entregamos um planejamento em francês. Aliás, foi por conta dessa campanha que eu paguei um dos grandes micos da minha vida acadêmica: apresentei um trabalho no Intercom Sul de pijama e pantufa. Afinal, eu precisava entrar no clima, já que nosso trabalho era inspirado no surrealismo.


Na agência o coração batia forte cada vez que íamos apresentar uma campanha e cada vez que o cliente revelava qual trabalho foi escolhido. Nessa fase, nosso foco era a agência e as contas. Aqui, confesso que eu e a Janiélli hesitamos em ajudar um senhor que caiu perto de onde estávamos, enquanto a Darciele corria para casa porque tínhamos esquecido a pasta com o nosso planejamento. Eu e a Jani nos olhamos e sabíamos que, se parássemos para ajudar, nós não conseguiríamos chegar a tempo na aula. Titubeamos. Foi um alívio quando outra pessoa logo chegou e ofereceu ajuda. Eu e a Jani continuamos correndo. A Darci chegou logo depois, quase sem ar, mas com o planejamento na mão (perdoem-me gurias, revelei nosso segredo). Assim como essa, inúmeras são as histórias que eu vivi, que os meus colegas e professores viveram. Quando um colega muito querido se foi, eu percebi que nenhuma história em potencial deve ser desperdiçada. São as memórias e as lembranças que criamos com aqueles que amamos o melhor legado da graduação. Não o diploma.


A Unipampa valeu a pena. Sempre valeu. Cada momento dentro da universidade compensou as horas a menos de sono ou de lazer que eu tinha. Quando eu entrei na sala de aula pela primeira vez, decidi que aproveitaria de forma intensa a oportunidade que eu havia conquistado. E assim foi, do início ao fim. Mas ninguém estava sozinho nessa jornada. Foi lá que eu fiz amigos que levo para vida, ganhei duas irmãs (a Darci e a Jani), convivi com professores que me deram exemplos de vida. A Unipampa me deu um propósito. Me deu a oportunidade de realizar objetivos que eu achava que dificilmente realizaria. Ela me mostrou que eu poderia ir mais longe do que os limites da Fronteira Oeste. E eu fui.


Foi na Unipampa que eu comecei a gostar de fazer pesquisa, de escrever artigo, de ir em evento acadêmico. Eu adorei escrever meu TCC, embora poucos acreditem nisso. E foi com essa base muito bem constituída que eu segui pesquisando. Fiz mestrado em Comunicação Social na PUCRS com a orientação do professor Juremir Machado da Silva, pesquisa que resultou na publicação do meu primeiro livro – Os órfãos de Getúlio, fui professora substituta no curso de Comunicação Social da UFSM, fui pesquisadora visitante no programa de pós-graduação da University Of Salford, em Manchester, durante o doutorado sanduíche, e agora estou terminando meu doutorado em Ciência da Comunicação na Unisinos sob a orientação da professora Jiani Bonin. E tudo isso foi semeado há alguns anos, na graduação. Por isso, serei eternamente grata à Unipampa.


Durante este percurso, o que eu vivi na Unipampa e os ensinamentos que ali aprendi sempre estiveram comigo aonde quer que eu fosse. Aliás, sempre estarão. Um dos meus grandes orgulhos é estampar o nome da Unipampa no meu lattes, é dizer que eu fui da primeira turma de Publicidade e Propaganda. É contar que eu ajudei, de alguma forma, a construir a história da universidade, assim como a universidade me ajudou a construir a minha. Você deve estar pensando que essa história parece um roteiro de Sessão da Tarde, cheia de altas aventuras e confusões da pesada. Mas eu lhes garanto, é tudo verídico. Eu, como uma boa “Unipampeira”, sei o valor das boas histórias. E as da Unipampa estão entre as minhas favoritas.


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