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Um teto todo seu


Na obra Um teto todo seu, escrita em 1928, Virgínia Woolf (2014, p. 41) reflete a relação entre as mulheres e a ficção. Pondera que, para escrever, as mulheres precisavam de quinhentas libras por ano e um teto próprio, um espaço, longe de perturbações. No que se refere ao dinheiro, a escritora conta que somente no final do século XIX, na Inglaterra, o dinheiro das mulheres deixou de ser propriedade de seus maridos. Neste viés, indaga-se: “Por que os homens bebem vinho e as mulheres, água? Por que um sexo é tão próspero e o outro, tão pobre?”.


As mulheres não tinham dinheiro, não tinham lugar, não tinham sossego e eram privadas das experiências da vida. Eram um dos temas preferidos das escritas dos homens. Praticamente tudo o que se escrevia sobre elas, até meados do século XVIII, era escrito por eles. Alguns dos quais a única qualificação era de não serem mulheres. Cientificamente, as mulheres eram subjugadas, consideradas intelectualmente inferiores, necessárias apenas para cuidar da casa e procriar. Para Woolf (2014, p. 54), as mulheres serviam como espelhos para os homens: quando consideradas inferiores, refletiam “a figura do homem com o dobro do tamanho natural”. Na ficção, eram heroínas, deusas, protagonistas essenciais. Na vida real, eram espancadas, trancadas, jogadas de um lado para o outro. Mal sabiam soletrar, mal conseguiam ler, eram pobres com condições de comprar apenas alguns cadernos de papel almaço para conseguir escrever.


Quando uma mulher conseguia escrever, era desacreditada. Muitas vezes escondia-se por detrás de pseudônimos masculinos. Se escrever uma obra-prima era um trabalho repleto de “dificuldades prodigiosas” para os homens, para as mulheres “essas dificuldades eram infinitamente mais descomunais” (WOOLF, 2014, p. 78). “Qualquer mulher que tenha nascido com um grande talento no século XVI certamente teria enlouquecido”, destaca Woolf (2014, p. 74), “atirando em si mesma ou terminando seus dias em um chalé nos arredores da vila, meio bruxa, meio feiticeira, temida e escarnecida”. Foi somente no final do século XVIII que as mulheres começaram a escrever, mas ainda escreviam na sala de estar, ainda não tinham um teto todo seu. Ainda se envergonhavam do que escreviam. Jane Austen escreveu Orgulho e Preconceito às escondidas, cobrindo seus manuscritos com um mata-borrão, cada vez que alguém se aproximava. Para ela, “havia algo de desonroso no ato de escrever Orgulho e Preconceito” (WOOLF, 2014, p. 99). Para Woolf (2014), a produção deste clássico foi um verdadeiro milagre devido às circunstâncias.


Woolf (2014) pensava que, após 100 anos, as mulheres não seriam mais o sexo frágil e, deste modo, qualquer coisa poderia acontecer. Escreveriam sobre todos os temas que quisessem, não seriam julgadas inferiores e teriam as mesmas condições de trabalho do que os homens. E aqui estamos nós, quase 90 anos após essa constatação. Neste período, as mulheres obtiveram diversas conquistas, muitas coisas mudaram, melhoraram. Contudo, conforme nota a crítica literária Noemi Jaffe (apud WOOLF, 2014, p. 169), “as conquistas femininas continuam sendo não mais do que ‘conquistas’ às quais as mulheres precisam se aferrar ou das quais devem se orgulhar”.



Ps: se Shakespeare tivesse nascido mulher, não conseguiria ser Shakespeare. Teria se matado ou enlouquecido.

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