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Entendendo a cultura com Canclini



Canclini (2000) nos auxilia a compreender cultura, mas como o resultado de uma hibridização. O autor dedica-se, essencialmente, às análises sobre a cultura – e sua hibridização – na América Latina. Ao pensar tal hibridização, Canclini (2000, p. 17) reflete sobre as estratégias latino-americanas para entrar e sair da modernidade.


No entanto, acredita que na América Latina, “onde as tradições ainda não se foram e a modernidade não terminou de chegar, não estamos convictos de que modernizar-nos deva ser o principal objetivo, como apregoam políticos, economistas e a publicidade de novas tecnologias”.

Para Canclini (2000, p. 19), antes de tudo, é necessário derrubar as divisões que separam o culto, o popular e o massivo, derrubando também os muros que separam as ciências que se dispõem a compreendê-las (lembra-nos que “a história da arte e a literatura que se ocupam do ‘culto’; o folclore e a antropologia, consagrados ao popular; os trabalhos sobre comunicação, especializados na cultura massiva”). Deste modo, uma ciência nômade seria condizente e capaz de averiguar as “camadas do mundo da cultura” e sua hibridização.


Canclini (2000, pp. 31-254) pondera sobre o que seria se modernizar, questionando-nos: “O que significa ser moderno?”, e afirma: “é possível condensar as interpretações atuais dizendo que quatro movimentos básicos constituem a modernidade: um projeto emancipador, um projeto expansionista, um projeto renovador e um projeto democratizador”. No entanto, o autor tem o discernimento de que “não há uma única forma de modernidade, mas várias, desiguais e às vezes contraditórias”.

Neste contexto, Canclini (2000) busca compreender a modernidade e a pós-modernidade analisando, essencialmente, o popular, o culto e o massivo. Nesta reflexão, para os pensadores, acredita Canclini (2000), o moderno está ligado ao culto e ao hegemônico, e o popular, por sua vez, liga-se ao tradicional e ao subalterno.

O popular seria o excluído, o pré-moderno, o subsidiário. Na instância do consumo, estaria sempre no fim do processo, “obrigados a reproduzir o ciclo dos dominadores”. Fato que vai de encontro à concepção de Certeau (2011) onde os dominados não apenas consomem aquilo que vem dos dominantes, mas as ressignificam.

A cultura popular seria o folclore, que, para Canclini (2000, p. 207-213), é uma invenção melancólica das tradições e também uma “tentativa melancólica de subtrair o popular da massa”. O problema do folclore, e por consequência, dos folcloristas, é recortar apenas o “objeto”. Isto é, é interessam-se apenas pelos bens culturais, tais como cerâmicas, lendas, músicas, objetos, e ignoram os “agentes que os geram e o consumem”, gerando assim uma “fascinação pelo objeto”, onde se valoriza sua repetição, e não sua transformação.

O popular relaciona-se com o artesanato, enquanto o culto se relaciona com a arte, numa concepção moderna. No entanto, Canclini (2000, pp. 243-246) observa que não podemos afirmar, com precisão, o que é ou não arte. Para ele, aquilo que “chamamos de arte não é apenas aquilo que culmina em grandes obras, mas um espaço onde a sociedade realiza sua produção visual”.


Além disso, observa o autor, “demonstrou-se que nas cerâmicas, nos tecidos e retábulos populares é possível encontrar tanta criatividade formal, geração de significados originais quanto na arte culta”. O popular também se relaciona com a antropologia. Este ramo da ciência, assim como seus estudos etnográficos, foca no diferente; separa os grupos do restante da sociedade. Observam, por exemplo, índios e camponeses, mas não foca em suas relações com outros grupos, outras culturas ou com a indústria de massa.


O popular, bem como a tradição, encontra-se dentro de uma “visão tradicionalista”, essencialmente utilizada por folcloristas e antropólogos. Já a visão modernizadora é exercida pelos sociólogos e pelos comunicólogos. Os sociólogos interessam-se, em suma, por “problemas macrossociais e processos de modernização”.


Já os comunicólogos “acreditaram que as transformações simbólicas eram um conjunto de efeitos derivados do maior impacto quantitativo da informação”, onde “a arte popular, que tinha ganhado difusão e legitimidade social graças ao rádio e ao cinema, reelabora-se em virtude dos públicos que agora tomam conhecimento do folclore através de programas televisivos”. Ou seja, compreendem a sociedade, a cultura e a arte pelo viés da informação e dos meios de comunicação.


O culto, por sua vez, estaria relacionado com o sujeito moderno, aquele que sai das tradições, do popular, do folclore e do artesanato e moderniza-se. Para Canclini (2000, p. 302), a pessoa culta não precisava, necessariamente, ter poder aquisitivo, pois aos que eram cultos pertenciam certo tipo de quadros, de músicas e de livros, mesmo que não os tivessem em sua casa, mesmo que fosse mediante ao acesso a museus, salas de concerto e bibliotecas. Conhecer sua organização já era sua forma de possuí-los, que distinguia daqueles que não sabiam relacionar-se com ela.


Neste sentido, “ser culto, e inclusive ser culto moderno, implica não tanto se vincular a um repertório de objetos e mensagens exclusivamente modernos, quanto saber incorporar a arte e a literatura de vanguarda, assim como os avanços tecnológicos, matrizes tradicionais de privilégio social e distinção simbólica”.


Ser culto é, ainda, “apreender um conjunto de conhecimentos, em grande medida icônicos, sobre a própria história, e também participar dos palcos em que os grupos hegemônicos fazem com que a sociedade apresente para si mesma o espetáculo de sua origem”. O culto relaciona-se, então, com a arte, o moderno, a literatura. Para ser culto, lembra-nos Canclini (2000, p. 69), é preciso ser letrado, fato que condenaria as sociedades compostas por uma maioria de analfabetos a uma era “pré-moderna”. O culto não quer se relacionar nem com o popular, nem com o massivo. Quer se diferenciar, afastar-se.


Contudo, após as observações acerca do popular, do culto e do massivo, Canclini (2000, p. 354) conclui que não há como delimitar cada esfera. Para ele, “a sociabilidade híbrida que as cidades contemporâneas induzem-nos leva a participar de forma intermitente de grupos cultos e populares, tradicionais e modernos”. Ou seja, não há como separar o que é o popular (pré-moderno, tradicional, artesanato, folclore e antropologia) do que é culto e do que é massivo (moderno, arte, sociologia, comunicação, indústria cultural). É preciso desfazer este pensamento divido e excludente.


Nós não somos sujeitos apenas modernos ou tradicionais, somos híbridos, assim como a nossa cultura. E aí entra a concepção de pós-modernidade para Canclini (2000). Na América Latina, este “continente heterogêneo formado por países onde, em cada um, coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento”, Canclini (2000, p. 28) percebe que tradições e modernidades se misturam, hibridizando sua cultura. Assim, nesta linha, Canclini (2000, p. 28) concebe “a pós-modernidade não como uma etapa ou uma tendência que substituiria o mundo moderno, mas como uma maneira de problematizar os vínculos equívocos que ele armou com as tradições que quis excluir ou superar para constituir-se”.


CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2000.

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