Entendendo a Cultura com Thompson
Cultura ou Culturas? O que é de fato cultura? É com o objetivo de refletir sobre a cultura e seus significados que apresentamos as percepções de alguns autores sobre o tema. Por meio de diversas leituras, algo se torna claro: o conceito de cultura é complexo, diverso e rico. Iniciamos nossa compreensão com Thompson (1995).
Segundo Thompson (1995, p. 167, grifo do autor), “os primeiros usos nos idiomas europeus preservaram algo do sentido original de cultura, que significava o cultivo ou o cuidado de alguma coisa”, referindo-se ao cultivo de grãos, ou animais. Este sentido foi estendido para o processo de desenvolvimento humano, a partir do início do século XVI. No início do século XIX, “a palavra ‘cultura’ era usada como um sinônimo para, ou em alguns casos, em contraste com a palavra ‘civilização’”. Usava-se o termo civilização para significar o “processo progressivo de desenvolvimento humano, um movimento em direção ao refinamento e à ordem, por oposição à barbárie e à selvageria”.
Argumenta que “o conceito que emergiu no final do século XVIII e início do XIX, e que foi principalmente articulado pelos filósofos e historiadores alemães, pode ser descrito como a Concepção Clássica”. Segundo esta concepção, “cultura é o processo de desenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas, um processo facilitado pela assimilação de trabalhos acadêmicos e artísticos ligado ao caráter progressista da era moderna”. Como nota Thompson (1995, p. 170, grifo do autor), essa Concepção Clássica de cultura começa a se modificar no final do século XIX, com a incorporação do conceito de cultura a uma nova disciplina: a antropologia. Com essa mudança, tal conceito tornou-se menos ligado ao sentido de “enobrecimento da mente”, passando a relacionar-se, também, com a “elucidação dos costumes, práticas e crenças de outras sociedades, que não as europeias”.
Thompson (1995, p. 166) apresenta-nos, então, as concepções antropológicas de cultura: a Concepção Descritiva e a Concepção Simbólica. A primeira concepção declara que “a cultura de um grupo ou sociedade é o conjunto de crenças, costumes, ideias e valores, bem como os artefatos, objetos e instrumentos materiais, que são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de um grupo ou sociedade”. Já a segunda, trabalha o simbolismo, ou seja, alega que os fenômenos culturais são fenômenos simbólicos, e, portanto, “o estudo da cultura está essencialmente interessado na interpretação dos símbolos e das ações simbólicas. Nesta concepção, “cultura é o padrão de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças”.
O autor reflete a cultura expondo sua Concepção Estrutural, isto é, “uma concepção que dê ênfase tanto ao caráter simbólico dos fenômenos culturais como ao fato de tais fenômenos estarem sempre inseridos em contextos sociais estruturados”. Entendemos que o autor não está preocupado somente com os fenômenos sociais, mas analisa-os ao lado dos contextos que estão inseridos. Thompson (1995, p. 181, grifo do autor), argumenta que “fenômenos culturais devem ser entendidos como formas simbólicas em contextos estruturados”, e que a análise cultural deve ser entendida como “o estudo da constituição significativa e da contextualização social das formas simbólicas”. Alega que esses processos, de produção e recepção de formas simbólicas, podem estar estruturados de maneira assimétrica de poder, tanto pelo acesso ao processo, quanto a disponibilidade de recursos díspares na produção. Entendemos que nem todos os indivíduos têm acesso aos meios de comunicação, ao teatro, ao museu, ao cinema. Essa assimetria pode transmitir, através das produções de sentidos disseminados, a suposta existência de uma cultura superior e outra inferior, quando na verdade o que existe é uma diversidade de produção de sentidos.
Compreendemos que não há uma cultura inferior ou superior. O que existe são culturas diferentes, que possuem participantes distintos com acesso convencional ou alternativo às formas simbólicas. De acordo com Thompson (1995, p. 182), sua Concepção Estrutural de cultura, é “tanto uma alternativa à Concepção Simbólica, como uma modificação dela, isto é, uma maneira de modificar a concepção simbólica levando em conta os contextos e processos socialmente estruturados”. Segundo o autor, através de tal concepção objetiva “distinguir algumas características-chave em virtude das quais as formas simbólicas podem ser vistas como ‘fenômenos significativos’”.
Thompson (1995, p. 182) afirma que as formas simbólicas possuem cinco características, referindo-se a aspectos: “intencionais, convencionais, estruturais, referenciais e contextuais”; e todos esses aspectos têm relação com os termos “significado, sentido e significação”. A característica “intencional” da forma simbólica afirma que essas “são expressões de um sujeito e para um sujeito (ou sujeitos)”. Ou seja, o sujeito, ao utilizar as formas simbólicas, expressa àquilo que “quer dizer”, ou “tenciona”. As formas simbólicas percebidas então como “expressão de um sujeito”. O aspecto convencional, segunda característica das formas simbólicas, quer dizer que:
a produção, construção ou emprego das formas simbólicas, bem como a interpretação das mesmas, pelos sujeitos que as recebem, são processos que, caracteristicamente, envolvem a aplicação de regras, códigos ou convenções de vários tipos (THOMPSON, 1995, p. 185, grifo do autor).
Ou seja, convenção de aspectos como o vocabulário, o alfabeto, o código Morse, um cortejo amoroso, entre outros. No entanto, essas convenções são vivenciadas na prática, e não percebemos claramente e conscientemente sua utilização. Esta atividade são esquemas implícitos. Vamos entender essa característica, com a tentativa de alguns exemplos. Quando você cruza por uma pessoa conhecida na rua, por mais que você a odeia e a ache a pior pessoa do mundo, você a cumprimenta, e ela, pensando o mesmo de você, retribui o cumprimento. Quando você está no trânsito e o sinal fica vermelho, você sabe que é necessário parar, se não quiser fazer cacaca. Quando uma pessoa olha para você e pisca o olho, é sinal de que ela está te xavecando, e cabe a você, aceitar o xaveco ou não. Sabemos isso porque conhecemos intrinsecamente o que essas convenções significam. E estas podem mudar de acordo com o local, o grupo, o tempo.
A terceira característica, o aspecto estrutural, “significa que as formas simbólicas são construções que exigem uma estrutura articulada”. Isto se dá porque as formas simbólicas são elementos que se relacionam uns com os outros. Entendemos, então, que a estrutura de uma forma simbólica “é um padrão de elementos que podem ser discernidos em casos concretos de expressão, em efetivas manifestações verbais, expressões ou textos”.
A quarta característica é o aspecto referencial, isto é, “as formas simbólicas são construções que tipicamente representam algo, referem-se a algo, dizem algo sobre alguma coisa”. Por exemplo, em uma obra de arte, a figura do diabo pode se referir à maldade humana ou a morte; em uma charge de um personagem, pode referir-se a pessoa que a inspirou.
A quinta característica é o aspecto contextual, que “significa que as formas simbólicas estão sempre inseridas em processos e contextos sócio históricos específicos dentro dos quais e por meio dos quais elas são produzidas, transmitidas e recebidas”. Ou seja, o contexto que a forma simbólica está inserida. Podemos perceber isso, através da utilização de diferentes sotaques, entonação, gírias, expressões, palavras, entre muitos outros. Através da característica contextual, Thompson (1995, p. 193) analisa a contextualização social das formas simbólicas. Por serem formas que pertencem a um contexto sócio histórico, essas formas são “constantemente valorizadas e avaliadas, aplaudidas e contestadas pelos indivíduos que as produzem e as recebem”. Sofrem, então, “processos de valorização, isto é, processos pelos e através dos quais lhes são atribuídos determinados tipos de valores”.
Referência:
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.